Tolerância não é Igualdade
Achava que a tolerância, como primeiro passo, fosse
uma atitude extremamente louvável. Não pela tolerância em si, mas pelo esforço
do antes intolerante em mudar de atitude.
Pelo movimento, pela incursão fora da sua zona de conforto. É claro que há um mérito na tentativa de
ampliar sua visão de mundo. E considero esse movimento de
intolerância-tolerância um esforço nesse sentido. Mas, ao mesmo tempo, a vanglória desse ato
não é apenas um exagero, mas é também subestimar a inteligência do agora
tolerante. É infantilizá-lo, na medida em que lhe nego a capacidade de ir além
da tolerância.
Ao superar o meu próprio preconceito com a
desconstrução do preconceito alheio, percebi que me incomoda muito o fato de
que certas coisas precisam ser toleradas e outras não (talvez meu preconceito
esteja igualmente em fase de desconstrução e não totalmente superado).
Por que o homem branco, jovem, heterossexual e
economicamente abastado não precisa ser tolerado? Eu supero meu enfado diante de
figura tão óbvia e nem por isso estou praticando a tolerância. O fato de algo
ser alçado ao patamar de tolerável não encerra nenhum preconceito. Só afirma.
Como também o disfarce dos eufemismos não contribui em nada para a
desmistificação de estereótipos. Apenas mascaramos nosso preconceito com um
“nada contra” – expressão vazia que só serve de esquiva da desaprovação alheia.
As pessoas têm direito à opinião e têm direito de
manter seus preconceitos, desde que não agridam, humilhem ou desrespeitem
ninguém. Assim como eu tenho o direito
de ter calafrios ao ouvir expressões do tipo “homem de bem”, “pai de família”,
“temente a Deus” e outras variantes. Ninguém é livre de preconceitos. Alguns de
nossos preconceitos ocultamos de nós mesmos, mas se usarmos um pouquinho mais a
massa cinzenta veremos que a maioria deles se dissipa diante da menor reflexão.
Tomando emprestadas as palavras de José Saramago: “Eu sou contra a tolerância,
porque ela não basta. Tolerar a existência do outro e permitir que ele seja
diferente ainda é pouco. Quando se tolera, apenas se concede, e essa não é uma
relação de igualdade, mas de superioridade de um sobre o outro. Sobre a
intolerância já fizemos muitas reflexões. A intolerância é péssima, mas a
tolerância não é tão boa quanto parece. Deveríamos criar uma relação entre as
pessoas da qual estivessem excluídas a tolerância e a intolerância.”