domingo, 4 de novembro de 2012



Tolerância não é Igualdade

Achava que a tolerância, como primeiro passo, fosse uma atitude extremamente louvável. Não pela tolerância em si, mas pelo esforço do antes intolerante em mudar de atitude.  Pelo movimento, pela incursão fora da sua zona de conforto.  É claro que há um mérito na tentativa de ampliar sua visão de mundo. E considero esse movimento de intolerância-tolerância um esforço nesse sentido.  Mas, ao mesmo tempo, a vanglória desse ato não é apenas um exagero, mas é também subestimar a inteligência do agora tolerante. É infantilizá-lo, na medida em que lhe nego a capacidade de ir além da tolerância.
Ao superar o meu próprio preconceito com a desconstrução do preconceito alheio, percebi que me incomoda muito o fato de que certas coisas precisam ser toleradas e outras não (talvez meu preconceito esteja igualmente em fase de desconstrução e não totalmente superado).
Por que o homem branco, jovem, heterossexual e economicamente abastado não precisa ser tolerado? Eu supero meu enfado diante de figura tão óbvia e nem por isso estou praticando a tolerância. O fato de algo ser alçado ao patamar de tolerável não encerra nenhum preconceito. Só afirma. Como também o disfarce dos eufemismos não contribui em nada para a desmistificação de estereótipos. Apenas mascaramos nosso preconceito com um “nada contra” – expressão vazia que só serve de esquiva da desaprovação alheia.
As pessoas têm direito à opinião e têm direito de manter seus preconceitos, desde que não agridam, humilhem ou desrespeitem ninguém.  Assim como eu tenho o direito de ter calafrios ao ouvir expressões do tipo “homem de bem”, “pai de família”, “temente a Deus” e outras variantes. Ninguém é livre de preconceitos. Alguns de nossos preconceitos ocultamos de nós mesmos, mas se usarmos um pouquinho mais a massa cinzenta veremos que a maioria deles se dissipa diante da menor reflexão. 
Tomando emprestadas as palavras de José Saramago: “Eu sou contra a tolerância, porque ela não basta. Tolerar a existência do outro e permitir que ele seja diferente ainda é pouco. Quando se tolera, apenas se concede, e essa não é uma relação de igualdade, mas de superioridade de um sobre o outro. Sobre a intolerância já fizemos muitas reflexões. A intolerância é péssima, mas a tolerância não é tão boa quanto parece. Deveríamos criar uma relação entre as pessoas da qual estivessem excluídas a tolerância e a intolerância.”
O mundo está cheio de Madres Terezas hipotéticas fazendo cortesia com o chapéu alheio. Basta pescar uma frase aleatória da caixa de mensagens filosóficas, compartilhar qualquer alegoria barata ou apelar para a panfletagem na rede social. Fazemos tudo sentados em nossas confortáveis cadeiras do alto de nossas vidas imaculadas. É tudo tão h-i-p-o-t-é-t-i-c-o. Palavra que rende uma boa rima...Na teoria é sempre indolor. Como somos todos tão virtuosos. Só que não.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

O SOM DO CORAÇÃO (August Rush) Kirsten Sheridan - EUA 2007

Para quem aprecia a velha receita consagrada pelas novelas: um casal de ‘mocinhos’ separados ao início da trama, uma pitada de vilania, muitos e muitos e muitos obstáculos transpostos até o esperado – para não dizer previsível - desenlace final, este filme preenche os requisitos ‘novelescos’. Pois é disto que se trata “o som do coração”, junte as belezas mais óbvias e universais, música, crianças e o ‘grande amor’ e personifique-as na meiguice ingênua, na rebeldia simpática, no prodígio incompreendido. Respeite algumas regras básicas, nunca, sob hipótese alguma, reúna os ‘pombinhos’ de maneira incorruptível antes dos momentos últimos e derradeiros da narrativa e não cometa a heresia de matar um protagonista (a não ser que possa ressuscitá-lo ou algo que o valha). Pronto, aí está um filme capaz de agradar o público em geral.
Tire todos os ‘cult’ da sala, inclusive aquele que eventualmente habita em você e arrisque uma espiada. Perdoe as obviedades, tolere as incoerências, aceite as impossibilidades e deleite-se com o triunfo do bem. Para assistir no espírito comercial de margarina. “O som do coração”, é disto que o povo gosta, é isto que o povo quer: um legítimo bom filme ruim.